Ignorando a explicação, insiste o "evangélico": "Os católicos pensam que Jesus comparava Pedro à rocha. Na verdade, é o contrário. Ele os contrastava: de um lado, a rocha sobre a qual a Igreja seria construída, o próprio Jesus ('Petra'). De outro, esta mera pedrinha ('Petros'). Jesus queria dizer que ele mesmo seria o fundamento da Igreja, e que Simão não estava nem de longe qualificado para tanto"...
A criatividade humana realmente não tem limites, e é impressionante perceber do que a má vontade é capaz: os "evangélicos" adoram interpretar a Bíblia literalmente, em tudo que não faz sentido, como no caso da proibição às imagens, que já estudamos
aqui, e em diversos outros casos. Mas quando é para renegar o óbvio, o evidente, o explícito, aí eles vão procurar interpretações desnecessariamente complicadas a partir do texto em grego.
Com certeza é interessante estudar os textos sagrados no original. E, por isso mesmo, não podemos nos esquecer que a origem dos Evangelhos não está na língua grega. As narrativas que possuímos hoje foram traduzidas do aramaico, já que esta era a língua falada por Jesus, pelos Apóstolos e por todos os judeus da Palestina. Era essa a língua corrente da região, e sabemos com certeza que Jesus falava aramaico, também, devido a algumas de suas palavras que foram preservadas nos Evangelhos, traduzidas para o grego, como em Mt 27, 46, onde Ele diz, na cruz: “Eli, Eli, Lama Sabachtani”. Isto é aramaico, e significa, “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”.
Os livros do NT foram escritos em grego porque não visavam apenas os cristãos da Palestina, mas também os de outros lugares, como Roma, Alexandria e Antioquia, onde o aramaico não era falado, e é por isso que também os Evangelhos foram traduzidos. Muito importante: nas epístolas gregas de Paulo (por 4 vezes em Gálatas e outras 4 vezes em 1Coríntios), preservou-se a forma aramaica do novo nome de Simão. Em nossas Bíblias, aparece como Cefas. Isto não é grego, mas sim uma transliteração do aramaico Kepha (traduzido por Kephas na forma helenística).
Então, sabemos o nome que Cristo realmente deu a Simão, na língua em que eles falavam. Seu nome era Simão, mas o Senhor lhe confere um novo nome, como fizera antes com Jacó e com Abrão, ao entregar-lhes suas missões fundamentais na História da Salvação. Foi assim que o Senhor chamou a Simão, mudando seu nome, por ter sido ele o primeiro a confessar que Jesus era o Cristo: Kepha. E o que significa Kepha, em aramaico? Significa rocha, pedra grande e maciça: é este o mesmo sentido de petra, em grego.
Já a palavra aramaica para uma pequena pedra é evna. O que Jesus realmente disse a Simão em Mt 16, 18 foi: “A partir de agora tu és Rocha e sobre esta Rocha construirei a minha Igreja”. - O que é óbvio, afinal, como construir a Igreja sobre uma pedrinha?
Quando se conhece o que Jesus disse em aramaico, percebe-se que ele comparava Simão à uma rocha; não estava comparando a si mesmo com o Apóstolo, de modo algum; isso seria absurdo. Podemos ver esta realidade, vividamente, em algumas versões modernas e mais apuradas da Bíblia em língua inglesa, nas quais este versículo é assim traduzido: "You are Rock, and upon this rock I will build my Church". - Já em francês, sempre se usou apenas o termo pierre, tanto para o novo nome de Simão quanto para rocha.
O mais óbvio, claro e evidente: o fato concreto é que não é preciso se perder em estudos linguísticos complexos, nem em traduções de línguas orientais difíceis para entender a questão. Além de toda evidência gramatical, a própria estrutura da narração de Mt 16 15-19 não permite uma diminuição do papel de Pedro na Igreja, de modo algum. Basta observar a forma na qual se estruturou o texto. Teria algum sentido Jesus dizer: “Bendito és tu, Simão, pois não foi a carne nem o sangue que te revelaram este Mistério, mas meu Pai, que está nos Céus. Por isto eu te digo: és uma pedrinha insignificante, sem valor, e sobre a Rocha, que sou eu mesmo, edificarei a minha Igreja... Eu te darei as chaves do Reino dos Céus, e tudo o que ligares na Terra será ligado no Céu, e tudo o que desligares na Terra será desligado no Céu”...
Essa tradução fica até cômica, não é mesmo? Somente um indivíduo dotado de muita, mas muita má vontade para aceitar uma insanidade dessas. A verdade, que está na Escritura para quem quiser ver, é que Jesus abençoa Pedro triplamente, inclusive com o dom das Chaves. Jesus coloca Pedro como uma forma de comandante ou primeiro ministro abaixo do Rei dos reis, dando-lhe as chaves do Reino. Como em Is 22, 22, os reis, no AT, apontavam um comandante para os servir em posição de grande autoridade, para governar sobre os habitantes do reino. Jesus cita quase que verbalmente esta passagem de Isaías, o que torna claríssimo aquilo que Ele tinha em mente.
Numa útlima tentativa de argumentar, diz o "evangélico": "Então, se 'kepha' significa o mesmo que 'petra', porque a versão grega não traz 'Tu és Petra'? Por quê, para o novo nome de Simão, Mateus usa o grego 'Petros'?"
A resposta é simples: o tradutor de Mateus teve que fazer isso, simplesmente porque não teve escolha. Grego e aramaico possuem diferentes estruturas gramaticais: em aramaico, pode-se usar somente kepha na passagem de Mt 16, 18. Em grego, encontramos um problema: nesta língua, os substantivos possuem terminações diferentes para cada gênero. Em grego, existem substantivos femininos, masculinos e neutros. A palavra grega petra é feminina. Pode-se usá-la na segunda parte do texto, sem problemas. Mas não se pode usá-la para traduzir o novo nome de Simão, somente porque ele é homem, e não uma mulher. Ao traduzir para o grego, não seria possível usar um nome feminino para um homem. Foi preciso "masculinizar" a terminação do nome. Fazendo-o, surgiu o termo Petros, da mesma maneira que no português não dizemos "Apóstolo Pedra", já que o substantivo pedra é feminino. Também em português foi preciso criar o masculino de pedra, que deu em "Pedro".
Observação: no português, 'pedra' pode ser usado tanto para uma estrutura gigantesca como a Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, quanto para uma pequena pedra que atiramos no rio para formar ondas. Por certo, na tradução do aramaico para o grego perdeu-se parte do jogo de palavras usado pelo Senhor, assim como na tradução para o português.
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