Não sou especialista nisso (será que alguém é?), mas como mãe e pedagoga já enfrentei junto às crianças algumas perdas muito significativas (algumas verdadeiramente dramáticas e chocantes) e posso partilhar nossas experiências.
Em primeiro lugar, não acredito em minimizar as perdas: a morte é um acontecimento terrível, irreversível, definitivo, que desafia toda a nossa onipotência e desestabiliza toda a nossa “segurança” - e como tal deve ser tratada. Minimizar artificialmente a dor e a perplexidade, o mistério e o insondável do fato seria como que criticar o que a criança está sentindo (mesmo nós, os adultos, não nos sentimos confortáveis diante da morte, ainda que saibamos que ela é inevitável a algum ponto da vida), impondo à sua sensibilidade real limites artificiais, o que seria simplesmente uma negação, sem sentido nem benefício algum.
Tampouco acredito em promover-se um “drama mexicano”, que resulte na perda de controle das emoções.
O que realmente ajuda é respeitar e partilhar empaticamente a dor da perda: ficar junto, ouvir muito, falar pouco; não tentar “desviar a atenção” da criança; evitar banalidades e lugares-comuns (especialmente os falaciosos, como “foi vontade de Deus”, “ele/ela está melhor assim” e quetais); responder com honestidade às suas perguntas; permitir que ela participe do velório/enterro.
Quanto ao que dizer, considero particularmente importante salientar (oportunamente) os seguintes pontos (a ordem da argumentação seria dada pela própria criança, mediante as perguntas e considerações que faz espontaneamente):
- A morte não é o fim do ente amado (bichinho ou gente), mas sim PASSAGEM: de uma forma de vida (a que estamos acostumados), a outra (que sabemos que existe, mas não conhecemos bem). A gente não “acaba” quando morre, mas fica leve e vai para Deus.
- Para onde “foi” a pessoa/animalzinho que morreu? - Para o céu, onde vão todas as almas* boas (*esse sopro de Deus que anima o corpo, que dá movimento, cor, calor).
- Por que [o/a falecido/a] me deixou? – Tenha certeza de que ele/ela não quis deixar você. Talvez a parte mais difícil de morrer tenha sido exatamente ter que deixar você. Ninguém quer morrer, mas a gente morre quando chega a hora. Todo mundo morre um dia. E depois que morre, vai para o céu, onde é muito bom.
- Se [o/a falecido/a] está vivo noutro lugar, por que não volta para mim? Por que não fala comigo? – Porque no céu o jeito de viver é diferente, e não dá para ficar indo e voltando. Eles só podem falar com a gente que ficou no mundo “no coração”. Isso eles continuam fazendo; eles continuam amando a gente e sentindo o amor da gente. Sentem ainda mais do que quando estavam no mundo com a gente, porque não estão tão ocupados com outras coisas, como escovar os dentes, pagar contas e coisas assim.
- Se eu fosse bonzinho/a, será que [o/a falecido/a] não teria morrido? Será que ele/ela foi embora porque não gostava mais de mim? (a criança tende a entreter fantasias de onipotência e egocentrismo, fica confusa com sentimentos de raiva, frustração e até da lembrança de mal-feitos, que a machucam muito neste contexto). - Não foi culpa sua; ao contrário, você teria sido uma boa razão para [o/a falecido/a] ficar no mundo, se isso fosse uma escolha. [O/a falecido/a] não foi embora porque quis, nem Deus o/a chamou para o céu para deixá-la sozinha ou castigá-la.
- Como [o/a falecido/a] pode estar num lugar bom, estar feliz, e eu ficar aqui sozinho/a, tão triste? - [O/a falecido/a] não é egoísta, não foi embora porque quis. Só que, agora que ele/ela chegou no céu e não pode voltar mesmo, descobriu que o céu é muito, muito bom! E vai ficar lá, esperando que um dia você também vá para lá.
- Vai doer? Morrer dói? – Isso eu não sei, mas sei que ninguém reclamou ate agora, e que todo mundo está feliz no céu. Se doeu, já passou.
- Por que Deus quis que as pessoas tivessem que morrer? – Deus não quis isso. Foi a desobediência da gente que fez isso acontecer, desde há muito tempo atrás. O que Deus fez, em seu grande amor por nós, foi dar um jeito de levar a gente para o céu, pertinho dele, quando a gente morre.
- Mas Deus não é todo-poderoso? – Sim, ele é. Mas decidiu respeitar a liberdade dos homens serem até desobedientes, e ajudou que as conseqüências fossem menos terríveis do que deveriam ter sido.
- Por que Deus quis respeitar a liberdade dos homens? – Porque Deus é amor, e ninguém pode amar de verdade sem liberdade. Deus nos criou à sua imagem e semelhança, e por isso quis que a gente também fosse capaz de amar de verdade, com liberdade. Só que a gente usou a liberdade para fazer outras coisas, que não foram boas para nós.
- E os bichinhos? O que têm a ver com isso? – Quando os homens (e mulheres) estragaram o mundo perfeito que Deus tinha feito para nós, estragaram TODA a criação, incluindo a perfeição da natureza, e os animaizinhos, e as plantas, e o tempo, sujando a água, o ar... essas coisas que incomodam a gente todo dia.
- Vou encontrar [o/a falecido/a] no céu? - Vai. Mas para isso, tem que ir para o céu também; tem que ser bom/boa.
- Quando eu vou morrer? – Isso ninguém sabe. Por isso, é importante aproveitar bem a vida no mundo: sendo bom/boa, fazendo coisas boas e mostrando todo o seu amor pelas pessoas e bichinhos. O importante é viver bem no mundo, e depois viver bem no céu.
- Então, eu posso morrer agora, para não sentir mais saudades? – Não é bom, não é permitido, é muito errado querer morrer por conta própria. Cada um tem que esperar o tempo certo, que é quando acontece sem a gente planejar. Porque a gente só vai para o céu quando está pronto e isso só acontece quando chega a hora certa.
- Eu tenho que esquecer [o/a falecido/a]? – Não! Em seu coração, ele/ela sempre estará presente, e tudo o que foi bom entre vocês continuará existindo, onde vocês dois estiverem: neste mundo e no céu.
- Finalmente, é muito confortador lembrar que em Deus todos se encontram, e que a oração é um modo muito especial de “conversar” com quem partiu: tanto para pedir ajuda e conforto para nós mesmos (para matar as saudades), quanto para oferecer um empurrãozinho (se faltar) para ele/ela entrar no céu.
Com tranquilidade, simplicidade e verdade (não nos esquivando de responder “não sei” quando não soubermos), podemos ajudar a criança a lidar com a perda.
Sílvia Morgan
Título Original: Como falar da morte às crianças
Foto: Web
Site: Portal Católico
Editado por Henrique Guilhon
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