Cris Macabeus
Continuando
O procedimento era público, oral e formalista. No dia fixado, as partes compareciam pessoalmente perante a assembléia formada pelos seus pares, sob a presidência do senhor feudal ou de um seu representante. O autor apresentava sua queixa de viva voz, através de rígidas fórmulas tradicionais, sem cometer nenhuma falha que permitisse ao adversário proclamar nula a demanda. Em seguida, competia ao acusado responder de imediato, uma vez que o silêncio equivalia a uma confissão. A defesa tinha de consistir em negações exatamente ajustadas aos termos da acusação, refutando-a palavra por palavra, de verbo ad verbum.
Os litigantes deviam também prestar o juramento de que diziam a verdade, sempre que possível acompanhados de pessoas de bem, que endossassem suas posições. Eram os conjuratores. A prova testemunhal, caso existisse, era igualmente formalista: as testemunhas depunham oralmente, diante das partes e da assembléia, limitando-se a pronunciar certas fórmulas indicativas de que a razão estava com este ou aquele contendor. Mais do que o conteúdo das suas declarações, o que importava era apenas o número de testemunhas concordes. As regras indicavam quantos depoimentos bastavam para que se desse como provado certo fato.
Na hipótese de os juramentos não serem aceitos e de inexistirem testemunhas suficientes, restavam dois outros expedientes, oriundos do antigo Direito germânico: o duelo e os "Juízos de Deus" ou ordálios. Ambos se baseavam na mesma crença, de um Deus sempre presente no mundo, a interferir nos negócios humanos. Provocava-se pois a intervenção divina, para que apontasse o culpado e não permitisse a condenação de um inocente.
No duelo, batiam-se acusador e acusado, reconhecendo-se razão àquele que vencesse. Não deixava de haver aí alguma perspicácia: esperava-se que o mentiroso, sabedor da própria culpa, que Deus também conhecia, lutasse com menor ardor, mais facilmente sendo derrotado.
Finalmente, se por qualquer motivo não conviesse o duelo, recorria-se aos ordálios. Se o acusado insistisse na sua inocência, era ele (e às vezes também suas testemunhas) submetido a alguma prova que ensejasse a Deus a revelação da verdade. Os métodos variaram muito, mas em regra consistiram na "prova do fogo" ou na "prova da água".Por exemplo, o réu devia transportar com as mãos nuas, por determinada distância, uma barra de ferro incandescente. Enfaixavam depois as feridas e deixavam transcorrer certo número de dias. Findo o prazo, se as queimaduras houvessem desaparecido, considerava-se inocente o acusado; se se apresentassem infeccionadas, isso demonstrava a sua culpa. Equivalentemente ocorria na "prova da água", em que o réu devia por exemplo submergir, durante o tempo fixado, seu braço numa caldeira cheia de água fervente. A expectativa dos julgadores era de que o culpado, acreditando no ordálio e por temor a suas conseqüências, preferisse desde logo confessar a própria responsabilidade, dispensando o doloroso teste.
Se o imputado fosse nobre de muito alto nível, um príncipe, um conde, era-lhe permitido indicar algum subordinado seu para participar dessas provas.
Graças todavia à firme oposição da Igreja, a utilização dos ordálios foi declinando, para praticamente desaparecer no século XIV.
Parte II – Por que a Igreja perseguia os hereges?
Como advertira São Tomás de Aquino, os hereges são como os delinqüentes que passam moeda falsa. O herege procura ser sempre astuto, não revela o seu desvio, e este se torna geralmente difícil de descobrir, porque escondido no íntimo da pessoa. Imperioso era pois a Justiça obter a confissão.
Difícil se torna para nós hoje decidir retroativamente, dentro da formação mental daquela época, como caberia ao dever de caridade resolver este dilema: deixar o herege impune, para que continuasse a disseminar o mal, e, com essa omissão, arriscar-se a perder incontáveis cristãos; ou extorquir-lhe pela força o reconhecimento do seu crime, a fim de tentar corrigi-lo, e, se isso não fosse possível, eliminá-lo para o bem do povo.
Somente a Igreja, jamais o juiz leigo, possui competência para dizer se determinada doutrina é ou não herética. De conseguinte, o julgamento do caso lhe havia forçosamente de caber. Afirmada então por ela a existência do crime, o culpado passava ao tribunal comum, para receber os castigos previstos na legislação estatal.
A Igreja também reivindicou sempre a sua autoridade exclusiva para conhecer de acusações envolvendo clérigos, tanto nos crimes religiosos como nos comuns. Referem os historiadores que muitos bandidos, por isso, se faziam tonsurar, a fim de escaparem da Justiça laica, muito mais severa, e passarem à alçada da religiosa, de maior brandura.
Sempre que pôde, a Justiça canônica pretendeu também que fossem deixados a seu cargo vários crimes praticados por leigos, principalmente aqueles que atingiam a Igreja ou a fé e alguns de natureza mista, que a interessavam maiormente; ou seja, certos atos que, ademais de ilícitos, constituíam grave pecado: delitos carnais em geral, usura, etc.
Muito encontradiça foi também esta solução: o tribunal eclesiástico fazia o processo e proferia a condenação, impondo ao réu uma sanção espiritual; e o transferia a seguir à Justiça do Estado, para que esta aplicasse, em acréscimo, as próprias penas. Tal sucedia, por exemplo, nas hipóteses em que o crime merecia a pena de morte, inexistente no arsenal repressivo da Igreja. Sendo o réu um clérigo, podia-se recorrer a fácil artifício: primeiro, a Justiça eclesiástica lhe impunha a degradação, fazendo-o retornar à condição de leigo, com o que se via livre para encaminhá-lo depois às autoridades civis.
Em Portugal, as Ordenações Filipinas foram explícitas nesse sentido, dizendo no Livro V, Título I:"O conhecimento do crime de heresia pertence principalmente aos Juizes Ecclesiasticos. E porque elles não podem fazer as execuções nos condenados no dito crime, por serem de sangue, quando condenarem alguns herejes,os devem remetter a Nós com as sentenças que contra elles derem, para os nossos Desembargadores as verem; aos quaes mandamos, que as cumpram, punindo os herejes condenados, como per Direito devem".
Parte III – Os cátaros – hereges:
Não se pode falar de Inquisição sem mencionar o maior povo herético da idade média...
Os cátaros impugnavam o casamento, e para eles o fruto proibido, no paraíso terrestre, fora justamente o seu uso. A propagação do gênero humano constitui obra diabólica, ou seja, do deus mau, a mulher grávida possui o demônio no corpo. Pregava-se, em conseqüência, a abstenção da convivência entre os sexos, para as pessoas chegarem ao estado de perfeita pureza; mas, sendo evidentemente difícil a perseverança na perfeição, preveniam-se as defecções por meio de freqüentes assassínios, a chamada "endura".
Há quem calcule que essa prática haja vitimado mais cátaros do que toda a repressão inquisitorial contra eles exercida.
Continua
Título Original: Refutando pastor Airton sobre Inquisição
Foto: Web
Site: As Mentiras do Apocalipse Protestante
Editado por Henrique Guilhon
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