Poucos dias após a renúncia de Bento XVI e a eleição do Papa Francisco, o seriado "Evidências", produzido pela TV Novo Tempo (ligada à igreja Adventista, contando com o apoio cultural da sua Casa Publicadora Brasileira [30:18]), dedicou todo um programa à "História do Papado"[0], apresentado e narrado pelo "teólogo e arqueólogo" Rodrigo Silva [00:34 / 30:13] que, segundo afirmava, pretendia "contar um pouco da história dos Papas" [01:27], expondo as coisas segundo "fatos históricos, bíblicos e proféticos" [27:27].
Continuando
4º) O termo "epíscopos" aparece "umas 5 vezes" no Novo Testamento, "mas com sentido bem diferente daquele adquirido posteriormente. De 'epíscopo' vem a palavra 'bispo', que usamos até hoje" [13:39].
Como se observa neste ponto, o programa cai em clara contradição com o que afirmou no item anterior.
E se por acaso o termo "epíscopo" na Bíblia tinha um "sentido bem diferente daquele adquirido posteriormente", por que o programa não aproveitou o momento para apresentar esse "sentido bíblico diferente"? Será que é porque o sentido é exatamente o mesmo, isto é, o de supervisão e vigilância???
Na verdade, estamos aqui, novamente, diante da tática da "metralhadora giratória" protestante...
5º) As passagens dos Padres da Igreja citadas pela Igreja Católica para fundamentar Pedro como 1º Papa "são geralmente controvertidas e fora de contexto" [11:11].
Afirmação totalmente gratuita e que não cita exemplos concretos e nem as fontes patrísticas que em tese contradiriam o ensino católico (autor, livro, capítulo). Ora, juridicamente falando, o ônus da prova cabe a quem acusa...
Logo, temos aqui mais um contra-argumento destituído de valor.
6º) Santo Agostinho de Hipona, um dos teólogos mais respeitados da Igreja, "negou veementemente que Jesus se referia a Pedro quando disse 'sobre essa pedra edificarei a minha Igreja'" (cf. Retractationes, livro 1, capítulo 20 ou 21, verso 1 "dependendo da versão"). Para Agostinho, "a pedra (...) era Cristo e nunca Pedro"; "isto está claramente lá", "pode ser conferido inclusive no original latino da obra" [11:27].
O que diz Santo Agostinho nessa obra? Diz literalmente o seguinte:
- "Em certo passo, disse eu, do Apóstolo São Pedro, que a Igreja fora fundada sobre, como sobre uma pedra, sentido esse que celebra o mui espalhado hino do bem-aventurado Ambrósio, nestes versos do 'Canto do Galo': 'Hoc ipsa petra ecclesiae canente culpam diluet...' Mas lembro-me que depois e por muitas vezes tenho explicado esta sentença do Salvador: 'Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja', neste sentido: que a pedra é Aquele que Pedro tinha confessado quando disse: 'Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo'. Assim foi que Pedro, derivando o seu nome desta pedra, figurava a pessoa da Igreja que sobre ela foi edificada e que recebeu as chaves do Reino dos Céus. Com efeito, não diz Ele: 'Tu és a pedra', mas: 'Tu és Pedro', porque a pedra era Cristo, e Simão, tendo-O confessado, como toda a Igreja o confessa, foi por isso chamado 'Pedro'. Que o leitor escolha das duas interpretações aquela que lhe pareça mais provável".
O que vemos aqui é que Agostinho de Hipona humildemente reconhece a sua incapacidade para interpretar com exatidão a passagem bíblica de Mateus 16,16-19 e, por isso, deixa para os seus leitores a OPÇÃO de escolher entre uma interpretação ou outra, de modo que não descarta a validade nem de uma nem de outra. Ora, tal incapacidade era diretamente derivada do fato de Agostinho desconhecer o grego e o aramaico; ele conhecia e manuseava muito bem a tradução bíblica conhecida como "Vetus Latina" (anterior à Vulgata de São Jerônimo), mas que por ter sido traduzida por diversas pessoas anônimas e em épocas bastante diferentes, possuía muitas imprecisões e atentava contra a sua unidade interna.
Porém, ambas as interpretações podem se auto-completar, como bem demonstra o Catecismo da Igreja Católica - ao que parece, totalmente desconhecido para o roteirista do programa, já que ele parte de uma suposição errada: a de que os católicos não aceitam como possível complementação a interpretação de que a pedra seja também a confissão de Pedro. Vejamos o que diz o Catecismo:
- "Movidos pela graça do Espírito Santo e atraídos pelo Pai, nós cremos e confessamos acerca de Jesus: 'Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo' (Mateus 16,16). Sobre a rocha desta fé, confessada por São Pedro, Cristo tem construído a sua Igreja (cf. Mateus 16,18; São Leão Magno, Sermão 4,3; 51,1; 62,2; 83,3)" (CIC 424).
- "No colégio dos Doze, Simão Pedro ocupa o primeiro lugar (cf. Marcos 3,16; 9,2; Lucas 24,34; 1Coríntios 15,5). Jesus lhe confia uma missão única. Graças à uma revelação do Pai, Pedro confessou: 'Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo'. Então Nosso Senhor lhe declarou: 'Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do Hades não prevalecerão contra ela' (Mateus 16,18). Cristo, 'Pedra viva' (1Pedro 2,4), assegura à sua Igreja, edificada sobre Pedro, a vitória sobre os poderes da morte. Pedro, em razão da fé confessada por ele, será a rocha inquebrantável da Igreja. Terá a missão de custodiar esta fé perante todo desfalecimento e de confirmar nela os seus irmãos (cf. Lucas 22,32)" (CIC 552).
- "Jesus confiou a Pedro uma autoridade específica: 'A ti te darei as chaves do Reino dos céus; e o que ligares na terra será ligado nos céus; e o que desligares na terra será desligado nos céus' (Mateus 16,19). O poder das chaves designa a autoridade para governar a casa de Deus, que é a Igreja. Jesus, 'o Bom Pastor' (João 10,11) confirmou este encargo após sua ressurreição: 'Apascenta as minhas ovelhas' (João 21,15-17). O poder de 'ligar e desligar' significa a autoridade para absolver os pecados, pronunciar sentenças doutrinárias e tomar decisões disciplinares na Igreja. Jesus confiou esta autoridade à Igreja pelo ministério dos Apóstolos (cf. Mateus 18,18) e particularmente pelo de Pedro, o único a quem foi confiada explicitamente as chaves do Reino" (CIC 553).
- "O Senhor fez de Simão, a quem deu o nome de Pedro, e somente a ele, a pedra de sua Igreja. Lhe entregou as chaves dela (cf. Mateus 16,18-19); o instituiu pastor de todo o rebanho (cf. João 21,15-17). 'Resta claro que também o Colégio dos Apóstolos, unido à sua Cabeça, recebeu a função de ligar e desligar dada a Pedro' (Lumen Gentium 22). Este ofício pastoral de Pedro e dos demais Apóstolos pertence aos fundamentos da Igreja. Continua pelos bispos sob o primado do Papa" (CIC 881).
Como quer que seja, o que vemos aqui é que Santo Agostinho acredita que as duas interpretações eram plenamente possíveis, de modo que isto está muito longe de ser o que afirmou erroneamente o programa adventista: que, para Agostinho, a pedra ***nunca*** poderia se referir a Pedro. Tanto poderia, que ele mesmo deixou para os seus leitores essa alternativa como possível interpretação, baseada sobretudo na autoridade de outro grande doutor da Igreja, Santo Ambrósio de Milão.
Mas como São Jerônimo interpretava essa passagem bíblica, ele que era o maior biblista da época de Santo Agostinho, profundo conhecedor de hebraico, aramaico, grego e latim, tradutor da Vulgata Latina? Vejamos:
- "Estou a falar com quem sucedeu ao Pescador (=São Pedro), com o Discípulo da Cruz. Nenhum Chefe Supremo reconheço senão a Cristo e por isso me ponho em comunhão com Vossa Santidade, isto é, com a Cátedra de Pedro (...) A nenhum outro quero seguir e estar em comunhão, senão com Cristo e com vossa beatitude (=papa Dâmaso), isto é, com a cátedra de Pedro. Eu sei que sobre esta pedra a Igreja foi construída e quem come o Cordeiro fora desta Casa é profano. Quem não estiver na arca de Noé, isto é, em comunhão com esta cátedra, perecerá quando a inundação prevalecer" (São Jerônimo, +420; Carta 15,2).
- "A Igreja aqui está sendo rompida em três partes, cada parte ansiosa por me agarrar em seu apoio (...) Estou em prantos, mas unido à cátedra de Pedro (...) Imploro que vossa beatitude (=papa Dâmaso) me fale, por carta, com quem posso entrar em comunhão na Síria" (Carta 16,2).
É evidente que São Jerônimo, profundo conhecedor de latim, grego e hebraico, soube bem interpretar Mateus 16,16-19... A pedra sobre a qual a Igreja foi edificada é Pedro!
7º) No séc. IV, Constantino o Grande unificou a Igreja e o Estado Imperial, como parte de uma grandiosa estratégia política, afirmando-se convertido ao Cristianismo após ver a cruz como sol no caminho para a batalha, tendo-lhe Jesus dado o sinal para a vitória: "In hoc signo vinces" [15:01].
Constantino, imperador romano do Ocidente, não unificou a Igreja e o Império; o que ele fez foi (juntamente com Licínio, imperador romano do Oriente) conceder a liberdade religiosa aos cristãos através do Edito de Milão:
- "Eu, Constantino Augusto, e eu, Licínio Augusto, venturosamente reunidos em Milão para discutir sobre todos os problemas referentes à segurança e ao bem público, entre outras disposições a assegurar, cremos dever regulamentar, primeiramente, o bem da maioria, que se refere ao respeito pela divindade, ou seja, garantir aos cristãos, bem como a todos, a liberdade e a possibilidade de seguir a religião de sua escolha, a fim de que tudo o que existe de divino na morada celeste possa ser benevolente e favorável a nós mesmos e a todos aqueles que se encontram sob a nossa autoridade. Este é o motivo pelo qual cremos - num desígnio salutar e muito digno - dever tomar a decisão de não recusar essa possibilidade a quem quer que seja, tenha essa pessoa ligado a sua alma à religião dos cristãos ou a qualquer outra: para que a divindade suprema - a quem prestamos uma homenagem espontânea -, em todas as coisas, possa nos testemunhar com o seu favor e a sua benevolência costumeiros. Assim, convém que Vossa Excelência saiba que decidimos suprimir todas as restrições contra os cristãos, encaminhadas a Vossa Excelência nos escritos anteriores, e abolir as determinações que nos parecem totalmente infelizes e estranhas à nossa brandura, assim como permitir, a partir de agora, a todos os que pretenderem seguir a religião dos cristãos, que o façam de modo livre e completo, sem serem aborrecidos ou molestados" (ano 313).
E mesmo depois de converter-se ao Cristianismo e tornar-se único Imperador sobre todo o Império (porque Licínio passou a perseguir novamente os cristãos e Constantino saiu na defesa destes), ele JAMAIS unificou Igreja e Império, pois mesmo favorecendo o Cristianismo, permitiu que as religiões pagãs continuassem a prestar culto aos seus respectivos deuses.
Quanto a "ver a cruz como sol" no caminho de batalha (provavelmente para fazer-nos crer que a Igreja Católica idolatra o deus Sol pagão (Mitra), tal como fazia Constantino antes da sua conversão ao Cristianismo), leiamos o que foi relatado por Constantino:
- "Disse Constantino que nas horas meridianas do sol, quando o dia já começava a declinar, viu com os seus próprios olhos, em pleno céu, um troféu em forma de cruz, sobreposto ao sol, feito à base de luz, ao qual estava unida uma inscrição que dizia: 'Com este sinal, vencerás'" (Eusébio de Cesareia, +320; Vida de Constantino 1,28).
Percebemos, então, que Constantino não viu "a cruz como sol", mas "a cruz sobreposta ao sol" - e portanto, acima do sol ou na frente do sol, tanto faz -, o que bem nos demonstra que a cruz de Cristo (e, por consequência, a Fé Cristã) haveria de prevalecer sobre o deus Sol (e, por consequência, sobre o Paganismo como um todo).
8º) A partir de Constantino, uma mescla de símbolos cristãos e romanos começaram a aparecer em todas as partes do Império, e decretos e mais decretos favorecendo o Cristianismo foram expedidos: a Igreja agora não era mais católica universal, mas católica romana, e o bispo de Roma era quem mais ganhava com esta situação [15:52].
No programa, o único símbolo apresentado foi o conhecidíssimo "Monograma de Cristo" (formado pela letras gregas Chi (χ) e Ró (ρ) sobrepostas) dentro de uma guirlanda de folhas, retirado de um sarcófago cristão do período constantiniano e exposto hoje no Museu Pio-Cristão, que os Adventistas interpretam como símbolo do deus Sol de Constantino.
Tal acusação também é absurda, até porque encontramos o Monograma de Cristo em sarcófagos e catacumbas cristãs bem anteriores à visão de Constantino, em 313, isto é, anteriores ao século IV.
Ademais, prova-se que o "Monograma de Cristo" sempre foi tido por símbolo especificamente cristão pelo simples fato de Juliano - imperador apóstata de 361 a 363, que tentou restabelecer o Paganismo e revitalizar o culto dos deuses - tê-lo removido do estandarte romano, tão logo assumiu o Império, substituindo-o pela insígnia de Mitra, com a inscrição "Ao Sol invencível". Isso o programa não disse...
No tocante aos decretos expedidos, estes favoreciam o Cristianismo como um todo e não o Papa em específico. Constantino, além de conceder a liberdade religiosa aos cristãos, restituiu os bens confiscados pelo Estado, ofereceu prédios para a realização dos cultos, equiparou o domingo (dia consagrado pelos cristãos ao Senhor) aos dias festivos, promulgou leis contra o adultério, tentou suprimir os espetáculos sangrentos ou obscenos nos circos, ergueu igrejas e monumentos na Terra Santa etc.
E também graças ao Cristianismo, Constantino proibiu o suplício na cruz, proibiu a marcação do rosto dos condenados com ferro fervente, limitou o poder do "pai de família" (que detinha o poder de vida e morte sobre os membros da sua família), mitigou as condições de trabalho dos escravos (e só não chegou a abolir a escravidão por temer o colapso do Estado, há muito baseado nessa espécie de economia), tentou fixar a população em suas próprias cidades de trabalho etc. Como podemos observar, em geral tudo coisas bastante positivas e condizentes com a moral cristã, apesar das muitas limitações da personalidade de Constantino, não poucas vezes violento contra a sua própria família.
Quanto às boas relações entre os imperadores cristãos e os Papas, bem escreveu D. Estêvão Bettencourt (osb):
- "O fato de terem cooperado entre si a Igreja e o Império não é um mal em si; não há por que rejeitar de antemão o bom entendimento entre aquela e este, a menos que se professe um Maniqueísmo sócio-político. Se um imperador se diz católico e nada prova que não é sincero, a Igreja tem o direito e o dever de contar com ele como um filho seu, a quem compete proclamar o Evangelho a partir do trono imperial"[15].
Cabe observar que o Maniqueísmo foi a heresia que ensinava a existência, desde o princípio, de dois reinos divinos inconciliáveis: o do bem e o do mal, havendo portanto duas espécies de seguidores: os eleitos (ou puros) e os condenados (ou impuros). É o Adventismo professando uma heresia há muito condenada...
Título Original: "A História do Papado": Uma Refutação a um Programa de TV Adventista
Foto: Web
Site: Apologistas Católicos
Editado por Henrique Guilhon
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