Por Carlos J. Magliano Neto
Pastor: “Em vós, Senhora, tenho colocado toda a minha esperança e de vós espero a minha salvação... Maria é toda a esperança de nossa salvação (...) pois só por vosso intermédio esperamos a salvação’ (Glórias de Maria – Afonso Maria de Ligório – p. 21). Como se não fosse suficiente elevar Maria a posição de Co-Redentora, isso é, Redentora junto com Cristo, alguns documentos católicos vão além, colocando nela ‘toda a esperança de salvação’. Sugere assim não apenas ser ela uma redentora, mas a única redentora. (...) Tal tese teria sido desenvolvida a partir do fato de Maria ter sofrido, como mãe, ao pé da cruz de seu filho. Ora, se Maria sofreu junto com Jesus, logo é Redentora junto com Ele, concluem.” (pág. 61 e 64)
Resposta: Agora o senhor faz menção a um dos maiores e mais bonitos documentos sobre a Virgem Santíssima: “Glórias de Maria”, escrito por Santo Afonso Maria de Ligório (1696-1787) que é um dos 33 Doutores da Igreja. Como eu ainda não havia lido esse livro, fiquei pasmo ao ver um Doutor da Igreja escrevendo: “Em vós, Senhora, tenho colocado toda a minha esperança e de vós espero a minha salvação”. Não me contive e fui em busca de um exemplar dessa magnífica obra. Quando abri o livro tive a confirmação daquilo que suspeita-va: Santo Afonso nunca escreveu isto. No livro de Santo Afonso está claramente escrito na mesma página 21 citada no seu livro: “Dirijo-me também a vós, ó Maria, minha Mãe dulcíssima e Senhora. Sabeis que, depois de Jesus, em vós tenho colocado a minha esperança de minha salvação”, pensamento que Santo Afonso repete na página 98: “Depois de Deus, outra esperança não temos senão Maria e por isso a invoca como única esperança nossa depois de Deus”. Penso que o senhor deve ter copiado isso de alguma fonte errada ou ter tido uma distração, porém é bom que procure consertar esse erro, pois tenho que dizer que ficou muito parecido com um “levantar falso testemunho contra teu próximo” (Ex 20,16).
Quanto ao título Co-Redentora dado a Maria, reflete toda a participação intensa que Maria Santíssima teve no mistério da Salvação. Certamente, como o senhor falou, o sofrimento de Maria ao pé da cruz junto com seu Filho, é um dos motivos desse título. Num belo sermão, São Bernardo, Doutor da Igreja, fala do sofrimento da Mãe: “Verdadeiramente, ó santa Mãe, uma espada traspassou tua alma. Aliás, somente traspassando-a, penetraria na carne do Filho. De fato, visto que o teu Jesus – de todos certamente, mas especialmente teu – a lança cruel, abrindo-lhe o lado sem poupar um morto, não atingiu a alma dele, mas ela traspassou a tua alma. A alma dele já ali não estava, a tua, porém, não podia ser arrancada dali. Por isto a violência da dor penetrou em tua alma e nós te proclamamos, com justiça, mais do que mártir, porque a compaixão ultrapassou a dor da paixão corporal” (Liturgia das Horas, Segunda Leitura do dia 15 de setembro).
Mas a Igreja ao proclamar Maria como Co-Redentora, vê sua participação ainda muito mais além do que no acontecimento do Calvário. É uma questão muito mais profunda do que isto e merece a nossa atenção.
Como sabemos, Deus criou o homem e percebeu que não era bom que estivesse sozinho (cf. Gn 2,18). Criou então a “mulher” (Gn 2,23) para ser sua “auxiliar semelhante” (Gn 2,18), para que vivesse com o homem (cf. Gn 2,24), que juntamente com ele transmitisse o dom da vida (cf. Gn 1,28) e que fosse “a mãe de todos os que vivem” (Gn 3,20). Porém, logo depois esta obra foi manchada pelo pecado (cf. Gn 3,7). Era necessário então uma nova criação (cf. Is 65,17-18). E então Deus faz a sua nova criação em Jesus Cristo, que passa a ser o novo Adão (cf. Rm 5,15). E da mesma maneira como Deus criou “homem e mulher” (Gn 1,27) também na nova criação o plano divino seguiu a mesma linha: recriou Adão em Jesus Cristo, do qual recebemos a vida (cf. Jo 3,15), e como não poderia deixar de participar da nova criação, Eva foi recriada em Maria, que sendo uma auxiliar semelhante, subordinada ao novo Adão, é agora a nova mãe de todos os que vivem, pois todos somos irmãos de seu Filho (cf. Rm 8,27).
“Irmãos caríssimos, há um homem e uma mulher que nos prejudicaram grandemente, mas, graças a Deus, há também um homem e uma mulher que tudo nos restauram, e com notável superabundância de graça... Sem dúvida, Cristo por si só bastava-nos, pois tudo que possamos fazer no plano da salvação, dEle vem; todavia era bom que o homem não ficasse só. Havia profunda conveniência em que os dois sexos tomassem parte na nossa Redenção, como haviam tomado parte em nossa queda” (São Bernardo, Sermão sobre as doze estrelas 1, ed. Migne lat. 183,429). Da mesma maneira como a primeira Eva, co-pecadora ao lado de Adão, disse sim à Serpente e trouxe ao mundo o pecado (cf. Gn 3,6), agora a nova Eva, Co-Redentora ao lado de Cristo, diz sim a Deus e traz ao mundo a salvação (cf. Lc 1,38).
A Co-Redenção de Maria não tem a mesma grandiosidade da Redenção do Filho de Deus, mas o título quer mostrar a participação viva de Maria nesta obra. Quando Santo Afonso diz que “Depois de Deus, outra esperança não temos senão Maria”, não está diminuindo a grandeza de Deus, mas está mostrando a importância de Maria neste contexto. De modo parecido nos fala São Paulo: “Sejam meus imitadores, como também eu o sou de Cristo” (1ª Cor 11,1). Nesta frase, São Paulo não indica que o exemplo de Cristo seja insuficiente, mas mostra que o seu exemplo também é importante e quem o segue estará seguindo a Cristo. O mesmo o senhor concorda quando publica na página 73 de seu livro este pensamento:
“A beleza serena e silenciosa de uma vida santa é a influência mais poderosa do mundo, depois do poder do Espírito Santo de Deus” (C.H. Spurgeon)”
Os primeiros cristãos entenderam perfeitamente que ao dar valor aos servos de Deus, de maneira nenhuma se retira a Glória do Senhor, antes, a multiplica: “... o povo muito engrandecia aos apóstolos (...) a ponto de levarem os doentes até as ruas, colocando-os sobre leitos e em macas, para que, ao passar Pedro, ao menos sua sombra encobrisse alguns deles” (At 5,13-15).
Não há nada de estranho no título de Co-Redentora se analisarmos as palavras de Rm 8,17 onde somos chamados de “co-herdeiros com Cristo, pois, uma vez que, tendo participado dos seus sofrimentos, também participamos da sua glória”. Veja que nenhum de nós tem condições de ser comparado a Jesus, mas mesmo assim São Paulo diz que somos co-herdeiros com Cristo, ou seja, juntos com Jesus receberemos a recompensa porque também nós participamos de seus sofrimentos. Sabemos que nossa herança não é exatamente a mesma de Cristo e que nem participamos da mesma forma nos seus sofrimentos, mas mesmo assim ganhamos o título de co-herdeiros. O mesmo acontece com Maria: sua Co-Redenção não é a mesma Redenção do Filho, mas o título deve ser este por causa da sua singular participação neste mistério.
“Não sejamos daqueles que julgam diminuir a glória de Jesus Cristo quando se alimentam elevados sentimentos para com a Santíssima Virgem e os Santos (...) Por certo seria atribuir a Deus fraqueza deplorável crer que Ele se torne invejoso das dádivas e luzes que Ele próprio derrama sobre as criaturas. Pois que são os Santos e a Virgem se não a obra das mãos e da graça do Criador? (...) Por mais elevadas que sejam as perfeições que reconhecemos em Maria, não poderia Jesus Cristo ter-lhes inveja, porque é dEle que vêm e é a glória exclusiva dEle que se referem” (Bossuet, 3º sermão na festa da Conceição da Virgem, 1669. Obras t. II. Paris, 1863, 51).
Site: Universo Católico
Editado por Henrique Guilhon
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