As visões e revelações da Bem-aventurada Elizabeth Canori Mora no contexto da mensagem de Nossa Senhora em Fátima: previsão de tragédias e esperanças.
A mensagem de Fátima não é um fato isolado na História.
Pintura de Elizabeth, jovem
Lepanto
Nas grandes cerimônias — por exemplo, numa procissão dos bons tempos — o personagem principal (Cardeal, Bispo ou Sacerdote) é precedido por um cortejo de crescente hierarquia. Assim, a grande intervenção da Mãe de Deus na Cova de Iria veio sendo preludiada por uma série de mensagens do Céu, cada vez mais prementes, através de Santos e Bem-aventurados.
Em Fátima, Nossa Senhora denunciou uma decadência, que caminhava para a imoralidade a mais completa e o orgulho mais radical, cujo desfecho lógico era um castigo de proporções inimagináveis. Tal decadência não começara em 1917. Ela era a conseqüência de um processo que vinha desde o fim da Idade Média, época em que, segundo Leão XIII, “a filosofia do Evangelho governava os Estados, [...] a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil”1.
Pode-se dizer, por um lado, que o espírito das trevas que anima tal processo foi comunicando seus ímpios desígnios através de verdadeiros arautos da iniqüidade. São exemplos disso: Lutero e Calvino, no protestantismo; Danton e Robespierre, na Revolução Francesa; Marx e Lenine, na Revolução comunista; e ainda os anárquicos líderes da revolução de maio de 68. Em nossos dias, o próprio Lúcifer vai se patenteando no rock, na TV, no cinema e em outros meios de comunicação social, e mesmo em cultos aberrantemente satânicos. Ante nossos olhos configura-se um contexto cultural cada vez mais parecido ao cenário idealpara a manifestação do rei do inferno.
Providenciais advertências ao mundo
Palácio Selvaggi (ao fundo), na esquina via del Corso com a via di Pietra, em Roma, onde a Bem-aventurada residiu durante os anos de suas primeiras visões
Por outro lado, desde o início desse processo revolucionário não faltaram graves advertências pela voz de Papas, santos e autores contra-revolucionários. E até do próprio Céu, através de intermediários privilegiados por Nossa Senhora e Seu Divino Filho. Estas revelações a almas de escol formam um fundo de quadro ordenado harmonicamente em torno de Fátima, a mensagem de centralidade monárquica, comunicada diretamente pela Mãe de Deus.
Catolicismo, por seu estilo e espírito lógico e racional — dir-se-ia inaciano — inspirado no pensamento e na personalidade ímpar do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, é avesso à procura ansiosa e imprudente de visões, revelações e fenômenos extraordinários, que, infelizmente, tanto se espalham em nossos dias (vide Catolicismo, agosto de 1997, Profecias e revelações particulares —Atitude correta diante delas: equilíbrio, cautela e abertura de alma). Mas abre-se a eles, em toda a medida em que a Igreja recomenda, quando se trata de fatos inequívocos, devidamente documentados, analisados e aprovados oficialmente pela autoridade eclesiástica. E abre-se com a medida de prudência adequada para a análise de fenômenos que não pertencem ao quadro da Revelação oficial.
Dentre esses fatos, um reduzido número é particularmente concordante, no espírito e na forma, com a mensagem de Fátima. Pouco conhecida pelo público brasileiro, nesse sentido, são as visões da Bem-aventurada Elizabeth Canori Mora (1774-1825).
A Bem-aventurada Elizabeth escreveu-as de próprio punho em centenas de páginas dirigidas a seu confessor, hoje zelosamente custodiadas no arquivo dos padres trinitários, em San Carlino, Roma 2. Algumas circunstâncias dispuseram que uma cópia de primeira mão chegasse até nós, permitindo-nos compulsar fólio por fólio. Mas em 1996 a Libreria Editrice Vaticana, com o Imprimatur da diocese de Roma, editou tais escritos na íntegra, seguindo a ortografia e gramática italiana hodierna, com louvável adequação e respeito do original 3.
Esses manuscritos podem assombrar a mais de um fiel pouco precavido. O censor teológico, que em 5-11-1900 emitiu sábio e nobre juízo, isentando-os de erro, sentiu a necessidade de desfazer as objeções que se poderiam levantar contra as revelações mais surpreendentes da Bem-aventurada, hoje cultuada nos altares (vide quadro abaixo).
Breves dados biográficos da Bem-aventurada Elizabeth
Santa Maria in Campo Carleo, onde Elizabeth Canori Mora foi batizada e casou-se.
Elizabeth Canori é filha de Tomás Canori, grande proprietário de terras romano, e de Teresa Primoli, aristocrática dama da Cidade dos Papas. Após receber esmerada educação familiar, desposou um jovem advogado, Cristoforo Mora, filho de um rico médico da mesma Roma, em 10-1-1796. Do casal nasceram quatro filhas, duas das quais morreram com pouca idade.
Tudo augurava ao novo matrimônio um brilhante futuro. Mas a tragédia veio logo. O marido entregou-se à crápula, arruinou a família e abandonou o lar, seduzido por uma mulher de má vida. Foi preso pela polícia pontifícia, primeiro
num cárcere, depois num convento. Jurou mudar de vida, mas após retornar ao seu lar, tentou repetidas vezes assassinar sua esposa Elizabeth (a respeito desse tema, vide ilustração da p. 29). Ela foi de uma fidelidade heróica, oferecendo pelo marido enormes sacrifícios. E profetizou que ele acabaria morrendo sacerdote.
Assim foi. Após o falecimento da Bem-aventurada, em 5-2-1825, Cristoforo caiu em si e fez-se religioso, levando exemplar vida de penitência. Foi ordenado sacerdote e morreu rodeado de grande consideração.
Quando abandonada pelo esposo, incompreendida pelos familiares, Elizabeth teria caído na miséria se benfeitores compassivos não a tivessem auxiliado. Entre eles encontravam-se Prelados romanos, que narraram ao Papa Pio VII os seus méritos. O Pontífice, beneficiado pelas orações e sacrifícios dela, concedeu privilégios pouco comuns à capela privada da sua humilde casa.
Sua causa de beatificação foi introduzida em 1874, durante o pontificado do Bem-aventurado Pio IX. Pio XI aprovou o decreto de heroicidade de virtudes em 1928, tendo sido Elizabeth Canori Mora beatificada em 24-4-1994 por João Paulo II.
Como em Fátima, a denúncia do pecado
A Bem-aventurada com sua irmã mais nova, Benedita.
Em Fátima, Nossa Senhora foi preparando aos poucos os três pastorinhos para se abrirem à revelação da imensidade do pecado cometido pela humanidade e à amplidão da penitência que vinha pedir.
De modo análogo, agiu Deus em relação à Bem-aventurada Elizabeth. No Natal de 1813, ela foi arrebatada a um local inundado de luz, onde inúmeros santos rodeavam um humilde presépio. Nele, o Menino Jesus chamava-a docemente. A própria Elizabeth descreve sem preocupações literárias a surpresa que teve:
“Só de pensar, me causa horror. [...] Vi o meu amado Jesus recém-nascido banhado no seu próprio sangue [...], nesse momento compreendi por via intelectual qual era a razão de tanto derramamento de sangue do Divino Infante apenas nascido. [...] A má conduta de muitos sacerdotes seculares e regulares, de muitas religiosas que não se comportam segundo o seu estado, a má educação que é dada aos filhos por parte dos pais e mães, como também por aqueles a quem incumbe uma obrigação similar. Estas são as pessoas por cujo bom exemplo deve aumentar o espírito do Senhor no coração dos outros. Mas eles, pelo contrário, apenas nasce [o espírito de Nosso Senhor] no coração das crianças, fazem-lhe uma perseguição mortal com sua má conduta e maus ensinamentos.”4
Conspiração contra a Igreja, revelada por Deus
Miniatura de Jesus Nazareno
A partir de então, Deus foi-lhe revelando o lamentável agir de certos setores eclesiásticos que atraíam a cólera divina, acumpliciados com a Revolução que derrubava tronos e seculares costumes cristãos na ordem temporal. Tais visões patenteiam, um século antes das revelações na Cova da Iria, que o mal já se infiltrara na Igreja e na sociedade civil. Vê-se bem que em Fátima Nossa Senhora fez uma advertência final para esse mal, que progredia apesar de todos os avisos em sentido contrário.
Os anjos conduziram espiritualmente a Beata Elizabeth a antros secretos onde se tramava essa conjuração. De cada vez, novas aberrações lhe eram desvendadas. Em 24-2-1814 foram-lhe exibidas cenas que lembram a crise dos dias em que vivemos: “Via — narra ela — muitos ministros do Senhor que se despojavam uns aos outros; raivosamente arrancavam-se os paramentos sagrados; via serem derrubados os altares sagrados pelos próprios ministros de Deus”5.
Em 22-5-1814, enquanto rezava pelo Santo Padre, “vi-o viajando rodeado de lobos que faziam complôs para atraiçoá-lo.”6 A visão repetiu-se nos dias 2 e 5 de junho. Nesta última, narra a vidente: “Vi o sinédrio de lobos que circundavam [o Papa Pio VII, então reinante] e dois anjos que choravam. Uma santa ousadia me inspirava a lhes perguntar a razão da sua tristeza e do pranto. Eles, contemplando a cidade de Roma com olhos cheios de compaixão, disseram o seguinte: `Cidade miserável, povo ingrato, a Justiça de Deus castigar-te-á’”7.
“O mundo todo estava em caos”
A Bem-aventurada venerando a miniatura de Jesus Nazareno
Em 16-1-1815, os anjos mostraram-lhe muitos eclesiásticos que “sob manto de bem, perseguem a Jesus Crucificado e Seu Santo Evangelho”, e que “como lobos raivosos tramavam derribar o chefe da Igreja do seu trono”8. Então ela foi levada “a ver o cruel estrago que a Justiça de Deus está para fazer entre aqueles miseráveis: com sumo terror, via que em torno de mim fulguravam os raios da Justiça irritada. Via os prédios caírem em ruínas. As cidades, províncias inteiras, o mundo todo estava em caos. Não se ouvia outra coisa senão débeis vozes implorando misericórdia. O número dos mortos era incalculável”9.
Porém, o que mais a impressionou foi ver Deus indignado. Num local altíssimo e solitário, viu Deus representado por “um gigante forte e irado até o extremo contra aqueles que O perseguiam. Suas mãos onipotentes estavam cheias de raios, o seu rosto estava repleto de indignação: só o seu olhar bastava para incinerar o mundo inteiro. Não tinha nem anjos nem santos que o circundassem, mas somente a Sua indignação circundava-o por todas partes”.10
Tal visão durou apenas um instante. Segundo a Bem-aventurada Elizabeth, “se tivesse durado mais um momento, certamente eu teria morrido”11. A descrição acima lembra a visão do inferno apresentada a Lúcia, Francisco e Jacinta. Entre ambas as visões há uma correlação profunda. Enquanto à Bem-aventurada Deus manifestou sua justa indignação pelas ofensas que sofre, Nossa Senhora em Fátima apontou o destino das almas que ofendem a Deus e morrem impenitentes.
A gravidade do pecado de apostasia do mundo
Em 13-6-1917, Nossa Senhora em Fátima mostrou aos pastorinhos o seu Imaculado Coração rodeado de espinhos, em sinal dos “ultrajes que recebe pelos pecados dos homens”. No Natal de 1816, foi mostrado à Bem-aventurada Elizabeth também o quanto esses ultrajes ofendem a Ssma. Virgem. Pode-se entrever um limite de pecado, que a misericórdia da Rainha do Céu não permitirá que seja ultrapassado.
A Bem-aventurada Elizabeth viu Maria Santíssima “triste e dolorosa”. Perguntou-lhe então a razão da sua dor. “A Mãe de Deus voltou-se para mim, e disse: `Contempla, ó filha, contempla a grande impiedade’. Ouvindo estas palavras, vi que ousadamente apóstatas tentavam arrancar temerariamente o seu Santíssimo Filho de seu puríssimo seio e dos seus santíssimos braços. Diante deste grande atentado, a Mãe de Deus não pedia mais misericórdia para o mundo, mas justiça ao Divino Pai Eterno; o Qual, revestido da sua inexorável justiça e cheio de indignação, voltou-se para o mundo. Naquele momento toda a natureza entrou em convulsão, e o mundo perdeu a sua boa ordem, e se formou sobre a Terra a maior infelicidade que se possa contar ou imaginar. Uma coisa tão deplorável e aflitiva que deixará o mundo reduzido à última desolação”12.
Antevisões dos castigos vaticinados em Fátima
Imagem de Nossa Senhora de Fátima, na praça do Santuário, em Fátima
O véu que envolve os castigos anunciados em 1917, de alguma maneira foi levantado para a Bem-aventurada Elizabeth. O que ela viu fornece-nos subsídios para entender melhor o que Nossa Senhora previu depois na Cova da Iria.
Com efeito, em 7-6-1815 Deus mostrou-lhe, mais uma vez, a punição que atraíam sobre a humanidade esses “lobos rapaces sob pele de ovelha, [...] acérrimos perseguidores de Jesus Crucificado e de Sua esposa a Santa Igreja”. “Parecia-me — escreveu — ver todo o mundo em convulsão, especialmente a cidade de Roma. [...] O que dizer do Sacro Colégio? Por causa da variedade de opiniões, uns tinham sido dispersados, outros abatidos, outros desapiedadamente assassinados. De modo similar eram tratados o clero secular e a nobreza. O clero regular não sofria a dispersão total, mas era dizimado. Inumeráveis eram os homens de toda condição que pereciam nesse massacre, mas nem todos se condenavam. Muitos eram homens de bons costumes, e muitos outros de santa vida”13.
Na festa de São Pedro e São Paulo, 29-6-1820, a Bem-aventurada contemplou profeticamente o Príncipe dos Apóstolos descendo dos Céus revestido dos paramentos pontificais e rodeado por uma legião de anjos. Com o seu báculo, traçou sobre a Terra uma vastíssima cruz, e aos quatro lados dela fez aparecer quatro árvores verdejantes, também com forma de cruz, envoltas numa luz brilhantíssima. Sob essas árvores-cruzes ficavam “refugiados e livres do tremendo castigo” todos os bons fiéis, religiosos e religiosas. “Mas, ai daqueles religiosos e religiosas inobservantes que desprezaram as santas Regras, ai!, ai! porque todos perecerão sob o terrível flagelo. E digo isto de todos [...] que se entregam à libertinagem e vão atrás das falsas máximas da reprovável filosofia de hoje”14.
Tão graves ameaças talvez pudessem parecer exageradas nos tempos da Bem-
aventurada Elizabeth, em que, malgrado o avanço da Revolução anticristã, encontravam-se na Igreja numerosos santos e almas de virtude insigne. Assim, tais palavras parecem ditadas mais para este nosso triste início do século XXI. Quem, a rigor, sem auxílio de luzes proféticas, poderia imaginar que a crise na Igreja chegaria ao ponto que atingiu em nossos dias? À vista disto, compreende-se que Deus tenha querido manifestar especialmente Sua cólera e indignação à Bem-aventurada Elizabeth. Mas, infelizmente, tudo indica que, como em Fátima, a mensagem divina transmitida pela Bem-aventurada não foi levada devidamente em consideração.
Vingança divina contra os inimigos da Igreja
Crucifixo objeto de especial devoção da Bem-aventurada
Prosseguindo a narrativa da visão, ela relata que São Pedro voltou para o Céu. Então, na Terra “o firmamento ficou coberto de uma cor azul tenebrosa, que só de ver causava terror. Um vento caliginoso fazia sentir seu sopro impetuoso por toda parte. Com um veemente e tétrico silvo uivando no ar, como feroz leão com seu assustador rugido, fazia ressoar sobre toda a Terra o seu horripilante eco.
“O terror e o espanto porão todos os homens e todos os animais em um estado de supremo pavor, todo o mundo estará em convulsão e matar-se-ão uns aos outros, trucidar-se-ão mutuamente sem piedade. No tempo da sanguinária pugna, a mão vingadora de Deus pesará sobre esses infelizes, e com a sua onipotência castigará o orgulho, a temeridade e a desavergonhada ousadia deles; Deus servir-se-á das potências das trevas para exterminar esses homens sectários, iníquos e criminosos que pretendem derribar, erradicar a Igreja Católica, nossa Santa Mãe, pelas suas raízes mais fundas e jogá-la por terra [...].
Certificado que atesta ter sido ela protegida pelo crucifixo, por ocasião de um tiro disparado imprudentemente por seu marido
“Deus rir-se-á deles e da sua maldade, e com um só aceno da sua mão direita onipotente punirá esses iníquos, permitindo às potestades das trevas saírem do inferno; e estas grandes legiões de demônios percorrerão o mundo todo, e por meio de grandes ruínas executarão as ordens da Divina Justiça, à qual estes malignos espíritos estão submetidos, de maneira que não poderão fazer nem mais nem menos dano do que permitirá Deus aos homens, aos seus bens, às suas famílias, às suas infelizes aldeias, cidades, casas e palácios, e qualquer outra coisa que subsistirá sobre a Terra [...].
“Deus permitirá que esses homens iníquos sejam castigados através da crueldade de demônios ferozes, porque se submeteram voluntariamente à potestade do demônio e confederaram-se com ele para causar dano à Santa Igreja Católica. [...] Foi-me mostrado o horrendo cárcere infernal. Eu via abrir-se na maior profundidade da terra uma caverna tenebrosa e espantosa, cheia de fogo, de onde via sair muitos demônios, os quais, tomando uns uma figura e outros outra, uns de animal, outros de homem, vinham todos infestar o mundo e fazer por todas partes malefícios e ruínas [...]. Devastarão todos os locais onde Deus tem sido e é ultrajado, profanado, sacrilegamente tratado, onde se tem praticado a idolatria. Todos esses locais serão demolidos, arruinados, e perder-se-á todo vestígio deles”15.
Triunfo e honra da Igreja, como previsto em Fátima
Igreja de San Carlino, dos padres trinitários, em Roma
As semelhanças com os trágicos anúncios de Nossa Senhora em Fátima estendem-se além dos castigos. Ante o olhar da Bem-aventurada, Deus expôs em muitas ocasiões uma maravilhosa restauração futura da Igreja. Essas revelações ilustram magnificamente aspectos do que há de ser o triunfo do Imaculado Coração de Maria.
Na mesma visão de 29-6-1820, após as purificadoras punições descritas, a Beata Elizabeth viu São Pedro retornar do Céu num majestoso trono pontifical. Logo a seguir, desceu com grande pompa o Apóstolo São Paulo. Ele “percorria todo o mundo e algemava aqueles malignos espíritos infernais, e os conduzia diante do Santo Apóstolo São Pedro, o qual, com uma ordem cheia de autoridade, voltava a confiná-los nas tenebrosas cavernas das quais tinham saído [...]. Nesse momento viu-se aparecer sobre a terra um belo resplendor, que anunciava a reconciliação de Deus com os homens”16.
Manuscritos da Beata Elizabeth
A pequena grei dos católicos fiéis, refugiada sob as árvores com forma de Cruz, foi então conduzida aos pés do trono de São Pedro. “O santo escolheu o novo Pontífice — acrescenta a vidente —, toda a Igreja foi reordenada segundo os verdadeiros ditames do Santo Evangelho; foram restabelecidas as ordens religiosas, e todas as casas dos cristãos tornaram-se outras tantas casas penetradas de religião; tão grande era o fervor e o zelo pela glória de Deus, que tudo era ordenado em função do amor de Deus e do próximo. Desta maneira tomou corpo num momento o triunfo, a glória e a honra da Igreja Católica: Ela era aclamada por todos, estimada por todos, venerada por todos, todos decidiram segui-la, reconhecendo o Vigário de Cristo, o Sumo Pontífice”17.
“Cinco heresias infeccionam o mundo”
Disse-lhe Nosso Senhor em inícios de 1821: “Eu reformarei meu povo e a minha Igreja. Mandarei sacerdotes zelosos para pregar minha Fé, formarei um novo apostolado, enviarei o Divino Espírito Santo a renovar a Terra. Reformarei as ordens religiosas por meio de novos reformadores santos e doutos. Todos possuirão o espírito de meu dileto filho Inácio de Loyola. Darei um novo Pastor à minha Igreja, douto, santo, repleto do meu Espírito. Com santo zelo reformará a grei de Jesus Cristo”18. E acrescenta: “Ele me fez conhecer muitas outras coisas concernentes a esta reforma. Vários soberanos sustentarão a Igreja Católica e serão verdadeiros católicos, depositando seus cetros e coroas aos pés do Santo Padre, Vigário de Jesus Cristo. Vários reinos abandonarão os seus erros e voltarão ao seio da Fé católica. Povos inteiros converter-se-ão e reconhecerão como religião verdadeira a Fé de Jesus Cristo”19.
Basílica de São Pedro, em Roma, no dia da beatificação, 24/4/1994
Deus lhe fez ver várias vezes uma esplendorosa nave nova, símbolo da Igreja restaurada, que estava sendo armada pelos anjos. Também, em 10-1-1824, mostrou-lhe o principal obstáculo para a conclusão dessa nave. Ela viu cinco árvores de desmesurado tamanho: “Observei que essas cinco árvores com suas raízes alimentavam e produziam um emaranhadíssimo bosque de milhões de plantas estéreis e selváticas”. Deus lhe fez entender que essas cinco enigmáticas árvores simbolizavam “as cinco heresias que infeccionam o mundo nos nossos tempos”20.
Falsas máximas e os erros espalhados pela Rússia
Inscrição da lápide mortuária da Bem-aventurada
Em 22-1-1824, a Bem-aventurada Elizabeth conheceu que aquele bosque amaldiçoado representava um número incontável de almas, as quais, “porque têm consciência depravada, podem ser chamadas de sem-fé, sem-religião, porque pensam em tudo, menos naquilo que todo bom católico é obrigado a pensar, porque fazem tudo, menos aquilo que devem fazer. [...] Estas míseras plantas são tidas pelo divino Senhor não somente em conta de estéreis, mas de nocivas e péssimas, que merecem ser jogadas no fogo eterno”21.
A vidente ouviu que as cinco aludidas heresias se identificavam com as “falsas máximas da filosofia de nosso tempo”. Máximas essas que, segundo ela, estavam no cerne dos movimentos revolucionários da sua época, inspirados no espírito e nas doutrinas da Revolução Francesa. Tais máximas orientavam a conjuração que subvertia a Igreja e a ordem sócio-política.
Apresenta-se ainda aqui mais uma relação com a mensagem de Fátima. Pois nesta, Nossa Senhora apontou a difusão dos erros da Rússia — isto é, o comunismo — como um dos castigos que viriam se o mundo não se emendasse. Ora, os erros comunistas — inclusive nas formulações mais atualizadas da chamadaInternacional Rebelde22, analisada em vários artigos desta revista — são conseqüência necessária e direta das “falsas máximas” que a Bem-aventurada. Elizabeth apontou insistentemente como cerne do processo de subversão do orbe católico.
Podemos, pois, ver nessas imagens e expressões uma alusão à Revolução anticristã, tão sábia e penetrantemente denunciada pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em suas obras, e contra a qual Catolicismo mantém alto o estandarte da militância católica nestes tempos de abismais defecções e celestes expectativas.
Confirmada a certeza nas promessas de Fátima
A Bem-aventurada Elizabeth fechou os olhos para esta Terra em 5-2-1825, quase um século antes da gloriosa manifestação de Nossa Senhora em Fátima. Entretanto, suas visões e revelações — das quais demos aqui apenas algumas amostras — parecem destinadas especialmente para o conhecimento de nossos contemporâneos. Elas patenteiam o grandioso desígnio divino que sobrepaira a História. Pois mostram que o plano do Reino de Maria — como profetizado em Fátima — é como um imenso palácio que a Divina Providência vem preparando há séculos. E cujo acabamento ultrapassará toda especulação humana.
Por tudo isso, as visões e revelações da Bem-aventurada Elizabeth Canori Mora reforçam ainda mais a idéia da centralidade da mensagem de Fátima e a certeza do cumprimento da promessa de Nossa Senhora aos três pastorinhos em 1917: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!”
Notas:
1.Leão XIII, Encíclica Immortale Dei, 1.XI.1885, Bonne Presse, Paris, vol. II, p. 39.
2.Trata-se do manuscrito MS —132.
3.La mia vita nel Cuore della Trinità — Diario della Beata Elisabetta Canori Mora, sposa e madre, Libreria Editrice Vaticana, 1996, 765 pp. Imprimatur do Vicariato de Roma, Pe. Luigi Moretti, secretário-geral, 31-8-1995.
4.“La mia vita nel Cuore della Trinità”, op. cit., p. 158-160.
5.Op. cit., p. 164.
6.Op. cit., p. 192.
7.Op. cit., p. 193-194.
8.Op. cit., p. 257.
9.Op. cit., p. 257-258.
10.Id. ibid.
11.Id. ibid.
12.Op. cit., p. 411-412.
13.Op. cit., p. 285-286.
14.Op. cit., p. 489-493.
15.Id. ibid.
16.Id. ibid.
17.Id. ibid.
18.Op. cit., p. 524-526.
19.Id. ibid.
20.Op. cit., p. 701-703.
21.Op. cit., p. 704.
22.A respeito da Internacional Rebelde recomendamos a leitura do ensaio difundido pela TFP: A pretexto do combate à globalização, Renasce a Luta de Classes. Fórum Social Mundial de Porto Alegre, berço de uma neo-revolução anárquica. Clique aqui.
Juízo do censor eclesiástico sobre os escritos da Bem-aventurada Elizabeth
Em 5-11-1900, o censor eclesiástico encarregado pela Santa Sé para examinar os manuscritos da Bem-aventurada Elizabeth Canori Mora emitiu juízo formal, no qual afirma: “Em todos os escritos da referida Serva de Deus Elizabeth Canori Mora não há nada contrário à fé e aos bons costumes, como também não se encontra nenhuma doutrina inovadora ou peregrina, ou alheia ao modo de sentir comum e consuetudinário de Nossa Santa Madre Igreja”.
Ele, entretanto, observa que se poderiam apresentar objeções quanto a “certas visões e revelações que se referem especialmente a prelados maiores e menores de Roma, nas quais aparecem descritos com cores bastante carregadas e com proporções que pareceriam próprias a escandalizar os fiéis, e às quais pareceria convir a qualificação de mal soantes ou ofensivas aos ouvidos pios”.
Para afastar essa eventual objeção, o censor eclesiástico esclarece, entre outras coisas, que “lamentações deste gênero, expressas por vezes com linguagem ainda mais vibrante, não são absolutamente nenhuma novidade nos escritos dos Servos de Deus, para os quais, se era doloroso ver a corrupção no povo, muito mais o era ter que deplorá-la nos ministros do santuário”.
Após explicar como seria árduo tentar provar serem falsas as visões da Beata Elizabeth, e como não seria difícil mostrar serem autênticas, conclui: “As palavras da Serva de Deus, antes que mal soantes ou ofensivas aos ouvidos pios, devem ser consideradas muito úteis, especialmente aos sacerdotes que as leiam”.
O zeloso censor exprimiu também o desejo de que “a autobiografia da nossa Venerável Serva de Deus possa ver a luz, apenas seja possível e conveniente”, pois estas páginas “a muitas almas bem dispostas, e não dadas a desprezar as maravilhas de Deus nos seus santos, não deixarão de ser igualmente proveitosas”.
Sacra Rituum Congregatione, Beatificationis et canonizationis Ven. Servae Dei Elisabeth Canori Mora.Prima positio super virtutibus, Ex Typographia Pontificia in Instituto Pii IX, Roma, 1914. Iudicium Censoris Theologi super scriptis Ven. Servae Dei Elisabeth Canori Mora.
Site: Lepanto
Editado por Henrique Guilhon
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Exibir comentário