Apologistas Católicos
Afirmam os protestantes que nós caímos num circulo vicioso em matérias da fé: porque cremos na Escritura por causa da autoridade da Igreja e cremos na autoridade da Igreja por causa da Escritura.
Isto é falso: nós cremos primariamente na autoridade da Igreja, não por causa da Escritura, mas por causa das notas da mesma Igreja e pelos motivos de credibilidade: quando a Igreja nascia, ainda não havia a Escritura como está hoje e todavia já era certa a veracidade da Igreja. E não é um círculo vicioso confirmar-se secundariamente esta mesma veracidade por meio da Escritura; porque se faz isto debaixo d’um ponto de vista diverso e achando-se já firmemente estabelecida a infalibilidade da Igreja. Nós conhecemos já por outra via a veracidade e infalibilidade da Igreja: porque primeiro pelos motivos de credibilidade provamos que a Igreja romana-católica é a verdadeira Igreja de Cristo, e por conseguinte que são verdadeiros todos os seus dogmas; segundo deste princípio inferimos ulteriormente que a S. Escritura é a palavra de Deus, porque a Igreja verdadeira o ensina infalivelmente; terceiro pela Escritura divina, assim conhecida já com certeza, confirma-se ulteriormente e como que em segundo lugar, sem algum círculo vicioso, a mesma infalibilidade da Igreja, que nós já tínhamos provado por outro meio.
Temos um exemplo nas coisas humanas: suponha-se um embaixador, que traga uma carta do rei; quando não é certa a veracidade do emissário, indagam-se os sinais de credibilidade e, logo que ela seja conhecida, admite-se a carta do rei pela veracidade do embaixador. Dá-se porém crédito ao que contém a carta do rei, não pela veracidade do embaixador, mas pela do mesmo rei; e, se nesta carta se afirma a verdade do embaixador, confirma-se esta e mais se crê pela veracidade do rei. E não obstante não há círculo vicioso; porque crê-se o mesmo, mas por uma razão diversa. Diz Moehler, Della unitá dela Chiesa, c. II: “Não se move a Igreja católica num círculo vicioso por não crer no Evangelho, senão porque ele lhe dá o testemunho da credibilidade. Ela crê em si mesma e sabe porque; deveria por ventura crer mais nos hereges do que em si própria? Assim como a Igreja, pela qual o Evangelho escrito nos foi transmitido, se considera a si própria e a sua tradição como divina, assim também considera divino o Evangelho. A Igreja, o Evangelho e a tradição estão e permanecerão sempre de acordo entre si”. V. Billuart, De reg. Fidei. Veith, Scriptura sacra contra incrédulos propugnata, p. VII. Sardagna, Thol. Dogmático-polemica, tr. III. Mayer, Tractatus praevii de vera relig., p. II, Carbonius,Theol. Revelata. Scheffmacher, Cartas, c. II. Gerdil, Saggio d’instruzione teológica, c. La Chiesa. Cercla, De Ecclesia, l. IV.
O douto padre Mozzoni expõe com muita evidência, nas suas Tavole cronologiche, critiche dela storia dela Chiesa universale, sec. I, aquele célebre dito de S. Agostinho: Não acreditaria no Evangelho, se me não movesse a autoridade da Igreja católica: “Dizemos, segundo o sentimento comum dos sábios, que no oitavo ou décimo ano da ascensão de Cristo, S. Matheus resolveu escrever o seu Evangelho, a pedido, como conta Eusébio (Hist. Eccl. L. II, c. 24, p. 103. A.B.) dos judeus recentemente convertidos. O douto padre Patrizi prova com efeito que não foi publicado antes do ano XXXVII (De Evang. l. I, c. I) porque há quem queira diferir a época aos anos subsequentes, apoiando-se especialmente na autoridade de S. Irineu, o qual diz que o Evangelho de S. Matheus foi escrito,quando Pedro e Paulo evangelizavam Roma e ali fundavam esta Igreja (Haeres. l. III, c. I, t. I, p. 174) o que certamente teve logar muito depois. Mas, seja como for, convidamos os teólogos a fazerem sobre isso uma importante reflexão histórica e dogmática ao mesmo tempo. (V. Perrone, Prael. Theol, onde trata De vera relig. p. II, n. 33). Muito antes de S. Matheus publicar as primeiras linhas do novo Testamento tinha ou não tinha já a santa Igreja a sua missão, o seu governo, a sua infalibilidade e a sua autoridade? E, se já a tinha, de quem a recebeu? Eis duas questões importantíssimas, sobre as quais, coisa admirável, o próprio Lessing não hesitou escrever: Não só se conhecia a história de Jesus Cristo antes de ser divulgada nos Evangelhos, mas toda a religião cristão tinha já sido abraçada e era observada, ainda antes de se ter escrito algum Evangelho. Recitava-se o Pater, quando se não lia ainda no Evangelho de S. Matheus. Empregavam-se já no Baptismo as palavras proferidas por Jesus Cristo, ainda antes de as haverem registrado os Apóstolos nas Escrituras (Salmantiche Werke, Theologie, Dritter Thei, Thesas aus der Kirchengeschicte, §§ 4, 5, 6, tr. XVVI, pag. 37).- V. Perrone, De Locis theol. p. I, c. XXIX, propos.: Ecclesia a Christo instituta anterior est quavis Scriptura.
Além disto o primado de Pedro tinha já todo o virgo de que o seu divino fundador quis revesti-lo e os demais Apóstolos obedeciam-lhe já antes da publicação dos Evangelhos. Em suma a Igreja tinha já do próprio Jesus Cristo a sua divina missão, o seu governo, a sua autoridade infalível e indefectível. E com esta mesma autoridade admitiu ela e aprovou primeiro o Evangelho de S. Matheus, depois todas as outras Escrituras do novo Testamento; como outros tantos instrumentos solenes, nos quais reconhecia as actas authenticas das suas propriedades ou achava fielmente registradas as prerrogativas de que o seu divino Fundador a quis revestir; mas adverti que ela usava já destas prerrogativas, antes de serem registradas e publicadas com aprovação solene. – E entretanto fácil julgar do valor da peitição de princípio ou círculo vicioso, tantas vezes exprobado aos católicos, que a Igreja tira a sua autoridade da Escritura a esta da Igreja. A objeção cai diante da própria natureza das coisas e desvanece-se perante fatos históricos os mais incontestáveis. Eis também como se explica pela história o célebre dito de S. Agostinho: Não acreditaria no Evangelho, se me não movesse a autoridade da Igreja (L. contra epist. fundamenti, c. V, n. 6) tom. VIII, p. 154, A). É pois só pela autoridade da Igreja que o santo doutor crê no Evangelho, e por conseguinte nos outros livros da Escritura; porque, falando depois dos Atos dos Apóstolos, diz: no qual livro sou forçado a crer, se creio no Evangelho, porque uns e outro me são propostos pela autoridade católica. Eis uma ótima regra e a única verdadeiramente segura; pelo seu abandono e pelo desprezo que a tiveram os protestantes, é que eles caíram no círculo vicioso da petição de princípio. Pois que, segundo eles, as Escrituras são divinamente inspiradas, porque as mesmas Escrituras que eles consideram divinamente inspiradas, o atestam”. Até aqui Mozzoni.
Mais claramente: se tivermos de combater os infiéis, que não admitem a Escritura como palavra de Deus, nós provamos primeiramente a autoridade da nossa Igreja por outros meios ou pelos motivos de credibilidade; e se depois o fazemos também pela Escritura, não o consideramos como palavra de Deus, mas como monumento histórico exarado por escritores contemporâneos, no qual se atende apenas a autenticidade e veracidade dos que escreveram. Se porém fossem nossos adversários os protestantes, os quais admitem a Escrituras, pela mesma Escritura, provamos contra eles a nossa Igreja, mostrando o seu verdadeiro sentido. Cercià eScheffemacher. V. Perrone, L’idea cristiana della Chiesa distrutta nel protestantismo; e também L’idea cristiana della Chiesa avverata nel cattollicismo. Gatti, Inst. Apologética-polemicae de verit. Ac divinitate relig. et Eccl. Catholicae, vol. III. Roma, 1868.
FONTE
SCAVINI, Pedro. Theologia Moral Universal segundo o pensamento de S. Affonso M. de Ligorio Bispo e Doutor, Tomo III, ano 1906, pp. 363-366.
Título Original: Os católicos caem em círculo vicioso ao aceitar as Escrituras como inspiradas por causa da autoridade da Igreja?
Site: Apologistas Católicos
Editado por Henrique Guilhon
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