(Jo 6, 41-51)
Os judeus já haviam demonstrado alhures que não tinham fé, nem estavam dispostos a receber Jesus. Depois da cura do enfermo de Bezata em dia de sábado, de fato, "os judeus começaram a perseguir Jesus" e "procuravam matá-lo, pois, além de violar o sábado, chamava a Deus de Pai, fazendo-se assim igual a Deus" (Jo 5, 16ss). Contra a sua descrença, Nosso Senhor proferiu palavras duras: "Vós nunca ouvistes a sua voz, nem vistes a sua face, e não tendes a sua palavra morando em vós, pois não acreditais naquele que ele enviou. (...) Como podeis acreditar, vós que recebeis glória uns dos outros e não buscais a glória que vem do Deus único?" (Jo 5, 37ss). Faltava-lhes, portanto, a fé, como fica patente por sua reação ao discurso do pão da vida: "Não é este Jesus o filho de José? Não conhecemos seu pai e sua mãe? Como pode então dizer que desceu do céu?" (v. 42).
À falta de fé dos judeus responde Nosso Senhor com uma frase intrigante: "Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrai" (v. 44), sentença chave para entender por que alguns creem e outros não; por que alguns dão o passo da fé – como a judia Edith Stein, que, deixando este século, alcançou o Céu com o nome de Santa Teresa Benedita da Cruz – e outros, no entanto, morrem na incredulidade. Ninguém, de fato, vai ao Filho, se o Pai não o atrai com o toque suave da Sua graça. Todos os homens recebem a "graça suficiente" para crer, que é Deus a bater à porta dos seus corações. Para que a fé aconteça, todavia, o ser humano deve abrir-se a essa graça preveniente, que o antecede [1], pois a própria procura de Deus já é um germe de Sua presença na alma: "Tu não me procurarias, se já não me tivesses encontrado" [2]. Antes, portanto, que progrida "ex fide in fidem – de fé em fé" (Rm 1, 17), é preciso que a alma ouça o sussurro de Deus, a Sua presença mais íntima que o mais íntimo do homem – "interior intimo meo" [3], como dizia Santo Agostinho.
Pela fé, de fato, o bom ladrão consegue enxergar em Jesus muito mais do que aquele "homem do sofrimento", diante do qual o profeta Isaías dizia que os passantes desviavam o olhar (cf. Is 53, 2-3). Quando diz a Nosso Senhor: "Jesus, lembra-te de mim quando começares a reinar" (Lc 23, 42), São Dimas mostra a sua fé na majestade de Cristo. No pobre carpinteiro crucificado ao seu lado, ele é capaz de enxergar um Rei muito mais virtuoso que o Imperador Romano; um poder muito maior que o do próprio César, que os levou à morte; um poder capaz de dar o que nenhum príncipe secular lhe poderia oferecer: o paraíso, a eternidade, a vida do próprio Deus.
A conversão de São Dimas, todavia, só foi possível porque Deus mesmo tinha tocado o seu coração com a graça. Esse toque, atente-se, não é como o vento impetuoso, a tempestade ou o fogo, que desfaz as montanhas e quebra os rochedos (cf. 1 Rs 19, 11ss): quando o Senhor move os homens – chamando-os para a comunhão Consigo –, Ele não o faz com estrondo ou violência, mas com suavidade e delicadeza – "com laços de amizade", "com cordas de amor" (Os 11, 4) –, como "o murmúrio de uma leve brisa", apontando ao Eterno – para além do efêmero deste mundo; ao Belo – para além da feiúra do pecado; ao Bom – para além da maldade dos homens; ao Justo – para além das injustiças humanas; ao Sol, enfim – para além das nuvens negras e escuras que o escondem [4].
Este Sol refulge do alto da Cruz e atrai todos os homens a Si, como o próprio Verbo tinha predito: "Quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim" (Jo 12, 32). Para corresponder à atração divina no mais íntimo da alma, no entanto, é preciso transcender o que se vê simplesmente com os olhos carnais. No Calvário, não foi condenado à morte apenas um miserável carpinteiro, repleto de amarguras e opróbrios, mas o próprio Deus feito homem, para a salvação da humanidade. Sem a luz desta verdade, toda a existência neste mundo se converte em trevas, em absurdo, em uma verdadeira "piada de mau gosto". Foi a conclusão a que chegaram os filósofos existencialistas, os quais levaram às últimas consequências a sua descrença e o seu ateísmo.
Outra verdade que se pode tirar do Evangelho deste Domingo está sugerida nas breves palavras dirigidas aos judeus: "Não murmureis entre vós" (v. 43). Com isso, ensina Nosso Senhor que só dá o passo da fé quem se põe em silêncio. Quando só se dá ouvidos aos murmúrios agitados e barulhentos do mundo, não se pode escutar a voz do Pai, que instrui todos os homens: "Todo aquele que escutou o Pai, e por ele foi instruído, vem a mim" (v. 45). Deus chama o ser humano no mais profundo do seu ser, convidando-o a uma relação de amizade com Ele. Além de amar infinitamente o homem, Ele também quer o amor das Suas criaturas. Como fez com a samaritana, Nosso Senhor senta-se à beira do poço de nossas almas, para "mendigar" o nosso afeto [5], para dizer que tem sede do nosso amor (cf. Jo 4, 7ss).
Essa caridade – que, como diz Santo Tomás, é "amicitia quaedam hominis ad Deum – uma certa amizade do homem para com Deus" [6] –, é aumentada sobremaneira pela participação frutuosa no "pão da vida", a ponto de Nosso Senhor dizer que "quem dele comer, nunca morrerá" (v. 50). Comenta Santo Tomás a respeito que, evidentemente, Jesus não alude aqui à morte física, senão à espiritual e eterna [7]. Para que alcance o seu pleno efeito, porém – e verdadeiramente não morra quem dele comer –, é preciso que este sacramento seja recebido espiritualmente (i.e., com fruto, com as devidas disposições interiores) [8]; importa aproximar-se da Eucaristia com fé, com a vontade de ser transformado por ela, porque, diferentemente do que acontece com o alimento comum, que é transformado em quem o come, é quem se alimenta do corpo e sangue do Senhor que é digerido por Ele [9]. Quem, pois, se encontra em pecado e indisposto a mudar de vida – e ser transformado pelo sacramento –, não deve aproximar-se da Comunhão, uma vez que, quando "come e bebe sem distinguir devidamente o corpo, come e bebe sua própria condenação" (1 Cor 11, 29).
Na Eucaristia, Deus quer fazer todos participarem realmente de Sua natureza divina, de Sua eterna bem-aventurança. Fatalmente, porém, a vontade humana é capaz, em sua obstinação, de resistir e entravar a ação da graça de Deus. Não seja esse o nosso agir. Que, ao contrário, sejamos dóceis ao toque suave do Pai no fundo de nossas almas e que, amando-O, sejamos lenta e gradualmente amoldados a Ele.
Concílio de Trento, VI (13 de janeiro de 1547), 5 (DS 1525).
PASCAL, Blaise. Pensées. E. P. Dutton & Co., 1958, p. 149.
Santo Agostinho, Confissões, III, 6 (PL 32, 688).
Cf. Santa Teresinha do Menino Jesus, Manuscrito B, 5r: "...para além das nuvens, seu Sol brilha sempre".
Cf. Ibid., 1v: "Ele não tem necessidade de nossas obras, mas somente de nosso amor, pois este mesmo Deus que declara não ter necessidade de nos dizer se tem fome, não tememendigar um pouco de água à Samaritana. Ele tinha sede... Mas dizendo: "Dai-me de beber", era o amor de sua pobre criatura que o Criador do universo reclamava. Tinha sede de amor... Ah! Eu o sinto: mais do que nunca Jesus está sedento."
Santo Tomás, Suma Teológica, II-II, q. 23, a. 1.
Santo Tomás, Suma Teológica, III, q. 80, a. 1.
Cf., e.g., Santo Agostinho, Confissões, VII, 10 (PL 32, 742); Santo Tomás, Suma Teológica, III, q. 73, a. 3, ad 2; Papa Urbano IV, Bula Transiturus de hoc mundo (11 de agosto de 1264) (DS 847).
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