O Fiel Católico
O DESÂNIMO, PRIMO-IRMÃO do sétimo pecado-capital, a preguiça (ou acídia), é a tentação mais perigosa que o inimigo das almas possa usar contra cada um de nós. Nas outras tentações, ele só ataca uma virtude em particular, e mostra-se: vemos claramente qual é o perigo, e onde está. Podemos cair, por fraqueza, numa tentação específica, mas raramente por ignorância ou confusão. No caso do desânimo, ao contrário, todas as virtudes são ameaçadas, porque nos tornamos incapazes para fazer o que é certo. Pior: não conseguimos distingui-lo. É uma ameaça mortal e invisível.
Na maioria das tentações desta vida, vê-se sem grandes dificuldades o perigo; na religião, não raro na própria razão, achamos sentimentos que as condenam: a consciência, alidada aos princípios da educação cristã, servem de apoio seguro para nos sustentarmos no Caminho. No desânimo, porém, não achamos socorro; sentimos que a razão não basta para praticar todo o bem que Deus pede; por outro lado, falha ou parece falhar a nossa Comunhão com Deus: assim é que falha a esperança de encontrar junto a Deus a proteção para resistir às paixões. Súbito, encontramo-nos sem coragem, prontos para abandonar tudo; é exatamente até aí que o demônio quer conduzir a alma desanimada. Cuidado!
Ao contrário das outras tentações, o desânimo disfarça-se sob mil formas, e acreditamos ter razões para nos deixarmos guiar por esse sentimento, que não percebemos como tentação. Nesses momentos consideramos impossível a prática constante das virtudes, e nossa alma torna-se exposta a se deixar vencer por todas as paixões. Trata-se de uma perigosíssima cilada. O efeito mais funesto do desânimo é que a alma que nele cai não o considera uma tentação: a esperança e a confiança em Deus são tão afetadas quanto a fé e as outras virtudes.
O perigo do temor excessivo
O que faz o grande mal de uma alma desanimada é a ilusão do temor excessivo, que lhe disfarça os verdadeiros e salutares princípios. É assim que, abatida pela vista das dificuldades, contra as quais não acha em si mesma recurso algum, não considera esse estado como uma tentação. Se o encarasse sob este ponto de vista, desconfiaria das razões que o alimentam e, assim, sairia dele bem mais cedo e mais facilmente.
O temor excessivo consiste num zelo exagerado, no anseio irreal por uma perfeição idealizada, pela busca de uma conduta de "santidade" que está além das capacidades reais do indivíduo. Por tal objetivo ser inalcançável, o fiel vai fatalmente se frustrar, decepcionar-se consigo mesmo, uma vez após outra, de novo e de novo... Depois de certo tempo vivendo essa cruel e ingrata rotina, mais dia menos dia acaba caindo no terrível desânimo, e correndo greve risco de perder a fé. A esse respeito falou o santo Padre Pio:
"O medo excessivo faz agir sem amor; a confiança excessiva não deixa considerar o perigo." (Sto. Padre Pio de Pietrelcina)
Sim, o medo excessivo nos afasta do Amor, como diz ainda mais claramente o Discípulo Amado, nas Sagradas Escrituras:
"No Amor não há medo. Antes, o perfeito Amor lança fora o medo, porque o medo envolve castigo, e quem teme não chegou à perfeição no Amor."1
(1 Jo 4,18)
Ora, se o medo afasta do Amor, e de fato lhe é praticamente contrário, – e sendo o Amor verdadeiramente a essência do Primeiro e do Segundo Mandamentos, – claro está que o medo deve ser afastado, combatido, destruído, banido de nossas almas.
O desânimo, portanto, – muitas vezes derivado do medo, – é uma tentação bem definida, porquanto todo sentimento que é oposto à Lei de Deus, seja em si mesmo ou pelas consequências que pode ter, é uma tentação. Se nos vem um pensamento contra a Fé, um sentimento contra a Caridade ou contra alguma outra virtude, consideramo-lo uma tentação, desviamo-nos dele, e aplicamo-nos a produzir atos opostos a esse pensamento, a esse sentimento que nos põe em perigo de ofender a Deus.
Ora, a Esperança e a confiança em Deus são tão fundamentais quanto a Fé e as outras virtudes. O sentimento que vai contra a Esperança deve, pois, ser tão evitado quanto o que vai contra a Fé ou contra qualquer outra virtude: é, pois, uma tentação bem caracterizada. A Lei Divina prescreve-nos praticar Atos de Fé, de Esperança e de Caridade: proíbe, por isso mesmo, todo ato, todo sentimento refletido contrário a essas virtudes tão preciosas e tão saudáveis à alma. Deve-se, pois, considerar o desânimo como uma tentação, e uma das mais perigosas, visto que expõe a alma cristã a abandonar toda obra de piedade.
Para que o fiel católico possa se tornar sensível a esse grande perigo, basta examinar a conduta dos seres humanos na dimensão temporal: a esperança de ser bem sucedido, de se proporcionar, a si mesmo ou aos seus queridos, algum bem, de evitar um revés, – numa palavra, de satisfazer algum desejo ou alguma paixão, – é que os faz agir, é que os sustenta nas dificuldades e dores que têm de suportar; é o que os anima nos obstáculos que têm a vencer. Tirar-lhes toda esperança é logo fazer-lhes cair na inação. Só um homem em delírio poderia lutar por um objetivo o qual não tem esperança de alcançar. Pois o mesmo efeito o desânimo produz na prática das virtudes; funda-se no mesmo princípio, a falta dos meios para chegar ao fim que nos propomos.
A alma cristã que não tem esperança de vencer-se a si mesma, na prática de alguma virtude, nada ou quase nada empreende para se fortalecer. Os esforços insuficientes que faz aumentam-lhe a fraqueza; e, mais do que meio vencida pelo seu desânimo, deixa-se facilmente arrastar às paixões que a dominam: "Já que não alcanço a perfeição que almejo", raciocina, "melhor desistir de vez, pois estou perseguindo um objetivo inalcançável". A visão da própria fraqueza lança-a primeiramente na confusão, na perturbação. Neste estado, estafada da dificuldade que sente em combater, já não vê os princípios que devem guiá-la. O temor de não ser bem sucedida impede-a de enxergar os meios que deve adotar para vencer, e que Deus lhe apresenta: entrega-se, assim, ao inimigo, sem defesa.
Tal alma, assim desanimada, esquece-se de que tem um Socorro poderoso na Bondade do Pai mais amoroso; esquece-se de que lhe bastaria reclamar esse socorro para sair vitoriosa do combate! É como um jovem frágil a quem a vista de um gigante que avança contra ele o faz tremer, e que não pensa que uma pedra basta para derrubar o mais terrível dos gigantes, se ele se servir dessa pedra em Nome do Senhor, Jesus Cristo.
Força, pois, cristãos! Avante, que a luta nos aguarda, o inimigo é terrível mas nosso Aliado é imbatível! À luta, com força e fé, em nome do Cristo, Nosso Senhor Jesus!
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1. Algumas traduções desta passagem adotam a palavra "temor" no lugar de "medo", subentendida a essencial diferença entre temor com sentido de medo irracional e o "temor a Deus" bíblico, que tem sentido de profundo respeito e reverência ao Criador Todo-Poderoso.
Referência e fonte bibliográfica:
MICHEL, J. Padre. Tratado do Desânimo nas Vias de Piedade. Rio de Janeiro: Vozes, 1952
Título Original: O desânimo, essa terrível arma do inimigo
Site: O Fiel Católico
Editado por Henrique Guilhon
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